O Blog da EdUERJ conversou com o professor Flávio Carneio, autor de “A Ficção Falsa e outros ensaios”, publicado pela Editora da UERJ em 2024. Flávio é doutor em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e professor titular de Literatura Brasileira na UERJ. Além disso, tem uma consolidada trajetória como escritor de ficção, tendo recebido os prêmios Jabuti nas categorias infantojuvenil e crônicas.
Blog da EdUERJ: “A Ficção falsa e outros ensaios” passeia por temas do universo da literatura e traz reflexões sobre autores como Murilo Rubião, Machado de Assis, Rubem Fonseca e Sérgio Sant’Anna, entre outros. Qual foi o conceito que norteou a escolha dos ensaios para o livro?
Não houve apenas um conceito. Pensei, primeiro, em reunir em livro ensaios que de algum modo pudessem marcar uma trajetória, a minha história como alguém que decidiu se dedicar a escrever literatura e a escrever sobre leitura. Toda escrita, ficcional ou ensaístico, é uma espécie de autobiografia. Daí ter reunido ensaios publicados entre o início dos anos 1990 e a atualidade. Quis construir parte da minha na escolha dos ensaios. Outro critério foi trabalhar apenas com ensaios sobre narrativas, que é meu campo de atuação (um deles fala de um filme, que também é uma forma narrativa). Há outros, mas estes talvez tenham sido os mais relevantes. E acrescento que, depois de reunir os ensaios, reescrevi todos (pequenas alterações, mas significativas), pensando no livro como um todo
Blog da EdUERJ: Um dos textos traz uma referência à leitura, fazendo um paralelo entre a tarefa do leitor e a de um investigador. A possibilidade múltipla de interpretação é uma premissa da literatura de qualidade?
Sim, sem dúvida. O texto literário deve ser, sempre, um convite ao leitor, à sua imaginação, à sua capacidade de criar sentidos possíveis, a partir do que o escritor colocou no papel. É, aliás, um direito do leitor, ter espaços simbólicos para preencher na página escrita. O texto ficcional que não faz isso não merece o leitor, ou, pelo menos, o leitor crítico e inventivo.
Blog da EdUERJ: O ensaio A ficção falsa alude a textos que já nascem comprometidos com uma finalidade única de convencer o leitor de uma verdade predeterminada. A ficção falsa é um conceito que se refere a material de autoajuda e livros de religião, ou pode também remeter a outras formas de criação?
Pode remeter a qualquer forma narrativa, inclusive artística. Pode haver ficção falsa num filme, numa peça de teatro, num romance. Na literatura para crianças e jovens, por exemplo, é comum encontrarmos esse tipo de ficção, que não respeita o direito do leitor, o direito de inventar. E justo o leitor que mais tem propensão a isso, a criança ou o jovem.
Blog da EdUERJ: O seu olhar sobre a literatura contemporânea brasileira aponta que ela se afastou da postura mais radical que resultava da opressão da época da ditadura militar e, gradualmente, passa a dialogar mais com as novas possibilidades midiáticas, sem a relutância de outrora. Mas, hoje, apesar das novas possibilidades de exposição e divulgação literárias, ficamos sabendo recentemente, pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que houve uma significativa redução de leitores no país. Como professor de literatura e escritor, o que você acha que seria possível fazer para reverter essa tendência?
A pergunta é boa, claro, mas a resposta não caberia aqui. São várias ações a serem tomadas. Nos anos 1990, participei da primeira equipe do PROLER – Programa Nacional de Leitura –, criado pela Eliana Yunes e vinculado à Biblioteca Nacional, na gestão do Affonso Romano de Sant’Anna. Já naquela época estava claro para todos nós, do Programa, que não é possível reverter uma situação assim sem uma política governamental realmente empenhada nisso. Claro, todas as iniciativas são bem-vindas, mas sem vontade política, sem investimentos a curto, médio e longo prazo, nada vai funcionar plenamente. É preciso que se crie uma rede de ações que envolva o país inteiro, com participação de todos os setores e com apoio político, financeiro, logístico. Ideias não faltam, pode ter certeza.
Blog da EdUERJ : É preciso ressaltar que “A ficção falsa e outros ensaios” funciona indiretamente também como um estímulo para que o leitor procure os autores e livros analisados. Este era um dos objetivos da obra?
Tenho um princípio que mantenho desde sempre, mesmo quando colaborava regularmente com grandes suplementos literários, como os do Globo e Jornal do Brasil e tinha como função apresentar aos leitores obras de ficção brasileira recém-lançadas: só escrevo sobre livros que considero bons, livros que eu gostaria que o leitor do meu ensaio lesse.
O tempo é curto, o de todos nós, mas estou falando aqui do meu mesmo. Meu tempo é curto e não vou desperdicá-lo falando de um livro ruim.
Além disso, o ensaio sobre literatura é uma parceria, uma parceria do escritor com o ensaísta e, sem dúvida, com o leitor. O ensaísta é alguém que, depois de ler um romance, por exemplo, pensa: tenho alguma coisa a dizer sobre esse romance que não foi dita ainda. E então parte para a aventura de escrever sobre a escrita, num gesto que também envolve o desejo de compartilhar o prazer da leitura do romance, convidando o leitor do ensaio a também embarcar na aventura. Se o romance for ruim, o ensaísta não vai se divertir, não vai sentir prazer, e, obviamente, seu leitor também não. Nesse caso, para que perder seu tempo escrevendo?
Blog da EdUERJ: Por fim, a quem você indicaria a leitura do livro?
A todos que gostem de ler ficção. A autêntica, bem entendido.
Blog da EdUERJ: Aproveitamos para convidar nossos leitores para o lançamento de “A Ficção falsa e outros ensaios” na terça-feira, 17 de dezembro, às 17h, na Livraria da EdUERJ, no campus Maracanã da UERJ. Haverá uma mesa com a presença do autor e também do professor Gustavo Bernardo, editor executivo da EdUERJ. Na ocasião, haverá a leitura de trechos do livro e uma conversa sobre literatura.
Arte: Fernanda Brado, foto: Maria Carneiro, pauta da entrevista: Ricardo Zentgraf