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Adriana Lisboa e Ieda Magri falam sobre o Prêmio UERJ de Literatura 

Além da atividade literária, laços com a UERJ unem as escritoras Adriana Lisboa e Ieda Magri. A primeira fez o doutorado e mestrado na universidade, enquanto Magri é professora de Teoria da Literatura, do Instituto de Letras. Nada mais natural então que fossem convidadas a integrar o júri do primeiro Prêmio UERJ de Literatura 

Em entrevista ao Blog da EdUERJ, elas falaram  sobre o Prêmio, o cenário da literatura contemporânea, e sobre  “São Sebastião”, de Luis Felipe Abreu, a novela vencedora.  

Como você avaliou essa experiência de integrar o júri do primeiro Prêmio UERJ de Literatura?   

Adriana Lisboa: Como uerjiana, tendo feito mestrado e doutorado na universidade, para mim foi um prazer e uma honra. Além disso, pude trabalhar com dois escritores e professores da Uerj por quem tenho grande admiração, Ieda Magri e o editor da EdUerj, Gustavo Bernardo. 

Ieda Magri: Foi ótimo trabalhar ao lado de Adriana Lisboa e de Gustavo Bernardo Krause. Conseguimos uma boa sintonia para a discussão sobre os textos lidos e chegamos ao consenso tanto para o primeiro lugar quanto para a novela finalista.    
 
Ao analisar um texto ficcional, quais aspectos você considera mais relevantes?   

Adriana Lisboa: A complexidade do pensamento e a construção de personagens, que não devem ser binários. O texto não deve tentar passar uma mensagem ou um recado ao leitor. Também acho essencial que o texto tenha uma coerência interna, seja qual for a sua estratégia narrativa, e que a voz narrativa seja capaz de mobilizar o leitor. 

Ieda Magri: Em primeiro lugar, um certo domínio da linguagem e do ritmo. É isso que divide de cara os bons romances breves dos imaturos. Em segundo lugar uma boa história, se há algo para dizer. E, por último, a inovação ou a adequação à forma. 

 “São Sebastião”, a novela vencedora, traz alusões ao período das pandemias e o segundo colocado, Operando milagres, aborda questões caras à sociedade, como religião e política. Existe uma tendência predominante de os novos autores procurarem se aproximar de abordagens mais realistas?  Como você enxerga isso na literatura contemporânea?   

Adriana Lisboa: A literatura brasileira tem um viés realista, historicamente, com poucas exceções. Nesse sentido, a novela segue a nossa tradição, e se alinha aos movimentos contemporâneos, que também tendem a privilegiar o realismo. 

Ieda Magri: A abordagem realista não é uma tendência apenas, acho que é um traço que nunca saiu de cena desde que o romance nasceu. Acho também que o realismo mágico na América Latina fez tanto estrondo que hoje os escritores querem passar longe dele para não repetir a fórmula do sucesso de algumas décadas e que hoje está desgastada. Mas, sem dúvida, a tendência hoje no continente, especialmente entre as escritoras jovens, é o horror. Talvez porque a linha entre o realismo e o horror seja bastante tênue por aqui. 

 Quais são as principais qualidades de São Sebastião, a novela vencedora?   

Adriana Lisboa: São Sebastião trança com muita habilidade três fios narrativos: o passado, quando o narrador ainda era menino, o presente, quando se encontra num leito de hospital durante a pandemia da covid, e as inserções da história de São Sebastião (o santo, personagem de um monólogo escrito e representado pelo narrador). Como leitores, estamos sempre buscando as interseções dessas narrativas, o que mantém vivo o interesse pela leitura. O texto é ágil e consegue evitar o melodrama mesmo tratando de duas crises sanitárias graves. 

Ieda Magri: Você usou uma frase que o define na pergunta anterior: “a novela vencedora traz alusões ao…” Justamente essa é sua característica mais marcante, contar uma história que o próprio narrador não entende bem, juntando fios da história familiar entre estas duas grandes crises: a epidemia de Aids, nos anos 80 e a pandemia de 2020. Mas esse não é o tema da novela, aí que está o pulo do gato. Ela não hasteia nenhuma bandeira e tem um ritmo e um tom bem marcados, que envolvem o leitor. 

Em pesquisa divulgada recentemente (Retratos da leitura no Brasil), foi revelado um reduzido número de leitores no país, em um painel preocupante que pode desestimular quem deseja se aventurar pela escrita. O que você diria a um novo autor?  

Adriana Lisboa: Não acredito que os autores devam escrever com o público leitor em mente, do contrário a literatura passa a ser “para” alguma coisa e perde muito de sua liberdade. O que não significa que os autores não possam trabalhar de variadas maneiras para a promoção da leitura e do livro no Brasil, tanto em pequena escala, em suas comunidades, quanto em larga escala. As formas de fazer isso são muitas e variadas, e vão desde a participação em grupos de leitura compartilhada até o ativismo – para os que são ativistas – pelas políticas públicas de leitura. Mas acho que o primeiro compromisso de qualquer escritor é com a própria escrita. Frequentemente esse já é um desafio suficiente. 

Ieda Magri: Muito pouco a dizer, porque um bom escritor é sempre um grande leitor. No Brasil, pouquíssimos autores vendem uma boa quantidade de livros, então creio que nem mesmo os escritores mais jovens ou os que estão iniciando o que se poderia chamar de “carreira de escritor” são ingênuos a ponto de imaginar que sua escrita depende de muitos leitores. Escrevemos, creio eu, para um número reduzido de leitores, os que escrevem também ou que fazem Letras, ou que têm o desejo de pertencer ao mundinho miúdo das letras. A tarefa de formar leitores é do governo, da escola, dos pais, da universidade, e não dos escritores. O trabalho dos escritores é escrever. Sempre acho que quando o livro é bom acaba encontrando seus leitores. 

Por fim, quais impactos que  iniciativas como o Prêmio UERJ de Literatura possam ter em relação aos novos autores e à sociedade ?  

Adriana Lisboa: Para os novos autores, o prêmio não apenas valida seu trabalho, mas também abre portas para um público mais amplo. A visibilidade desses novos autores pode fortalecer o debate cultural no país, e também estimular o interesse pela leitura e pela escrita entre as novas gerações. 

Ieda Magri: Acho que o impacto mais importante é dar condições para um escritor mostrar seu livro, muitas vezes engavetado. Dar a ver o que ele escreveu e divulgar seu trabalho para que ele seja conhecido, ainda que para um número mínimo de leitores. Uma das maiores dificuldades para um escritor estreante é justamente publicar seu livro. Abrindo essa porta, o prêmio dá condições para que o escritor caminhe com as próprias pernas.