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Entrevista com a professora Sonia Netto Salomão.

A professora Sonia Netto Salomão lançou neste ano, pela EdUERJ, o livro Machado de Assis e o cânone ocidental: itinerários de leitura, no qual destaca a relação entre o grande escritor brasileiro e a cultura italiana. O título também será lançado na Itália, no dia 24 de maio, em Roma, no Auditório do Centro Cultural Brasil-Itália. A professora conversou com o nosso blog sobre seu livro.

Como foi o processo de pesquisa para escrever “Machado de Assis e o cânone ocidental”?    

Este livro nasceu lentamente e possui três eixos de investigação: o da experiência com os cursos de tradução, quando examinei, confrontando várias versões, que modo Machado foi traduzido na Itália. É surpreendente constatar que ele foi traduzido desde 1928 (Memórias póstumas de Brás Cubas), embora Dom Casmurro já tivesse sido traduzido em São Paulo em 1914 por Antonio Piccarollo (jornalista e político fundador do Partido Socialista Italiano e, na cidade paulista, de inúmeros jornais, figurando também como um dos fundadores da Faculdade de Letras e Filosofia, onde ensinou Sociologia). Personagem este que, por si só, nos dá a dimensão da presença italiana e do seu intercâmbio com a cultura brasileira. Percebi, também, em cursos específicos de tradução, que Machado estava entre os mais preparados tradutores de língua portuguesa para a versão de Dante, feita por ele em tercetos, quando na época se traduzia só em prosa; e que ele conhecia muito bem Leopardi ao qual teria chegado pelo estudo da sátira menipeia e de Luciano, em particular, cujas sátiras eram igualmente apreciadas pelo poeta italiano. Aqui abriu-se todo um capítulo ao qual dediquei 200 páginas e que fala, também, de como Machado incorporou temas da literatura e da ópera italiana, por exemplo. Este capítulo concentra muito trabalho de pesquisa e de elaboração teórica.

Mas, na verdade, havia uma “família” alargada de escritores frequentada por Machado, muitos dos quais já tratados em estudos específicos em vários trabalhos de outros estudiosos. Neste segundo eixo, que constitui o primeiro capítulo do livro, o meu interesse era o de analisar o método de trabalho de Machado. Compreender como a análise crítica se somava ao ludismo dos seus textos; perceber por que Machado era tão particular e, ao mesmo tempo, universal, e porque ele desafiava o crítico ou a crítica, com aquela estratégia do jogador que envolve o seu parceiro de jogo, principalmente quando blefa. Daqui nasceu o título do livro: da compreensão que Machado enfrentou vários modelos canônicos, dialogando com eles, num processo de aceitação, rejeição, reescritura, e assim por diante. Ele mesmo se define um “ruminante” e, desse modo, não há como não perceber um processo antropofágico, como o detectado pelos modernsitas brasileiros, e que, no fim, identifica a nossa cultura pós-colonial.

Lendo os vários modelos, cheguei a uma carta do Pseudo Hipócrates com todos os ingredientes do “Alienista” e do seu riso de Demócrito. Com Vieira, eu havia enfrentado as “Lágrimas de Heráclito” ( S. Paulo, Ed. 34, 2001); com Machado, enfrentei o outro elemento de um antigo topos. Este o terceiro eixo, que inclui a língua literária de Machado, muito esquecida, e que se deve examinar de acordo com o projeto estético do autor de Dom Casmurro.

Quais são os aspectos principais abordados pela obra?

Na verdade são muitos, embora os principais estejam nos três eixos apontados: o pressuposto teórico do livro; Machado devorador antropófago avant la lettre, mas muito sofisticado, configurado pela discussão dos modelos com os quais entra em contato, num processos de aceitação, rejeição, mistura, adaptação. A ironia como recurso retórico que permite o estabelecimento de uma distância crítica e que caracterizará o projeto estético-ideológico do autor. A relação com a cultura italiana a partir de temas, topoi, lendas, obras canônicas, da leitura italiana de Shakespeare que devolve o texto inglês (traduzido em italiano) para o público carioca, sem passar pela diluição das traduções do neoclassicismo francês a partir das quais a versão para o português de Gonçalves de Magalhães se fez.

Neste âmbito, creio que uma possível contribuição esteja no aspecto metodológico que utilizei na abordagem da ópera Otelo, no Dom Casmurro, a partir de dois versos que só podiam ser do libreto da ópera de Boito-Verdi. Chamei muito a atenção, também, para palavras-chaves da obra machadiana como o léxico da melancolia, da casmurrice, da traição, bebidas em várias fontes, e assim por diante.

Foto 2016O livro é resultado de uma parceira também com a Sapienza, Universidade de Roma 1. Por favor, conte como se articulou essa parceria, que possibilitou a edição do livro.

Fui professora da UERJ e atualmente sou professora da Sapienza. Há vinte anos, a partir da Reitoria do Prof. Antônio Celso Alves Pereira, há um acordo de colaboração da UERJ com a Sapienza, Universidade de Roma, levado adiante pelos professores Silvano Peloso (Sapienza) e José Luis Jobim (UERJ), com minha pessoal colaboração, assim como de outros colegas das duas universidades. A colaboração se estendeu ao longo dos anos, realizando importantes congressos internacionais e relevantes publicações teóricas e culminou com a fundação da Coleção Brasil –Itália da EdUERJ, há aproximadamente 10 anos, que objetiva confrontar paradigmas críticos e interdisciplinares de temas relativos ao Brasil e à Itália, publicando estudos e traduções relevantes. Duzentas páginas deste volume são dedicados à relação de Machado de Assis com a cultura italiana a partir, inclusive, da reconstrução do contexto italiano do Rio de Janeiro no século XIX.

 

Como seria perceber a obra de Machado de Assis como um grande hipertexto (como é sugerido na contracapa)?

O conceito de hipertexto foi proposto por Theodor H. Nelson, pela primeira vez, em 1965, numa comunicação apresentada à Conferência Nacional da Association for Computing Machinery, nos Estados Unidos. O hipertexto é uma forma não linear de apresentar a informação textual, uma espécie de texto em paralelo, que se encontra dividido em unidades básicas, entre as quais se estabelecem elos conceituais. É o princípio que regula modernamente os códigos digitais armazenados no disco rígido do computador e na sua memória operativa. Depende de quem opera usar os elos conceituais que se estabelecem entre as unidades de informação ou grupos de unidades que podem distribuir-se e circular de diversas formas. É este, igualmente, o caso da internet, que utiliza a linguagem HTML (Hyper Text Markup Language), que permite descobrir a informação disseminada num sistema em que todos podem comunicar com todos, em sincronia.

Gerard Genette propôs, no seu Palimpsestes, La littérature au second degré (1982), um conceito diverso para o termo hipertexto, embora também ele siga a ideia de texto em paralelo. Para Genette, o hipertexto resulta de uma transformação premeditada de um texto preexistente. É o caso da paródia, por exemplo. Para o crítico francês, a hipertextualidade é uma das cinco possibilidades de transtextualidade, ou seja, de “transcendência textual do texto”. Esta ideia parece-nos mais próxima das características gerais do hipertexto, que é, acima de tudo, uma possibilidade universal de diálogo de um texto original com outros textos ocultos, mas inter-relacionados e disponíveis para que se estabeleçam relações lógicas de significação. O conceito de hipertexto genettiano está, contudo, preso à ideia do palimpsesto, ou seja, à concepção de um texto que é sempre absorvido e apagado premeditadamente por outro, ao passo que o conceito eletrônico de hipertexto pressupõe um diálogo intertextual, sem que nenhuma forma textual apague necessariamente qualquer outra que com ela se relacione. Na verdade, o modelo machadiano também é uma mistura dessas duas concepções. Por um lado, o seu texto é um palimpsesto, na medida em que se apresenta como um texto “apagado” ou subterrâneo; na maioria dos casos, permite ao leitor a sua recuperação através das rasuras, das marcas e das pistas intertextuais. Por outro lado, Machado desconstrói os modelos, quer pela fusão de um com o outro ou outros, quer pela construção pelo avesso. Além disso, o narrador machadiano diverte-se em comentar os processos que utiliza, indicando ele próprio os seus modelos.

Sabe-se que ensina teoria da tradução na Itália. De que modo estes estudos influenciaram ou não a sua abordagem?

Deve-se a Roman Jakobson, num ensaio pioneiro, a atenção dedicada à natureza intertextual da tradução. Jakobson chama a atenção para a reformulação intralinguística, presente na paráfrase, na tradução interlinguística propriamente dita e na transmutação intersemiótica, com mudança de códigos (da literatura ao cinema e assim por diante). Nesse quadro teórico, o crítico israelita Itamar Even-Zoar introduziu a ideia de polissistema, no qual uma pluralidade de literaturas (popular, de elite, nacional, folclórica, traduzida) vive de correlações recíprocas, entrecruzando relações diacrônicas e sincrônicas, tanto mais dinâmicas quanto mais o sistema resulta jovem, periférico ou temporaneamente em crise. Este é o caso da situação vivida por Machado de Assis no século XIX brasileiro, quando o sistema nacional se estava afirmando. Machado, ele mesmo, foi um incansável tradutor daqueles autores cujos modelos, seguramente, o interessavam diretamente. Por isso, traduziu: Lamartine, Alexandre Dumas (filho), Chateaubriand, Racine, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller, Heine, Dante.

O outro âmbito de aprofundamento atual dos estudos intertextuais diz respeito àquele relativo ao interculturalismo e, em particular, às relações com as literaturas pós-coloniais. Passa a ser mais clara a “apropriação” realizada no âmbito do necessário diálogo dessas culturas com o cânone ocidental. Apropriação, a qual acaba por gerar um processo de hibridismo em que atua a tradução, compreendida na sua função mais ampla de   confronto de códigos linguísticos e culturais; ou seja, tradução como transplante de modelos. Partindo do conceito desenvolvido anteriormente, hipertextualidade define a relação de imitação ou de transformação de uma obra anterior, ou hipotexto, em uma posterior ou hipertexto, com a paródia, o travestimento, o pastiche, a transposição e a continuação. O outro âmbito de aprofundamento atual dos estudos intertextuais diz respeito àquele relativo ao interculturalismo e, em particular, às relações com as literaturas pós-coloniais. Passa a ser mais clara a “apropriação” realizada no âmbito do necessário diálogo dessas culturas com o cânone ocidental. Apropriação a qual acaba por gerar um processo de hibridismo em que atua a tradução, compreendida na sua função mais ampla de confronto de códigos linguísticos e culturais; ou seja, tradução como transplante de modelos. A partir das observações feitas, esperamos que seja mais clara a posição da obra machadiana no contexto pós-colonial brasileiro. Machado advertia a necessidade de preencher lacunas, de confrontar-se, necessariamente, com modelos estrangeiros. Naturalmente, tendo vivido a safra romântica e o susto realista-naturalista, tentava construir um método próprio que, praticamente, revelou ao crítico nas suas obras. Não há, no entanto, como deixar de refletir sobre o processo machadiano em relação a um conceito crítico tão importante para a literatura brasileira: a antropofagia cultural.

Há um capítulo sobre a ironia no texto de Machado de Assis, que é uma das características mais fortes do autor. Gostaria que explicasse o impacto desse recurso para a obra de Machado de Assis e sob qual ótica você tratou o tema.

O capítulo II, Machado lúdico: os percursos da ironia, procura definir a articulação da ironia na obra machadiana. A ironia socrática que é, para mim, o método machadiano, realiza um processo de indagação em que as perguntas são arguta e sapientemente feitas de modo a se obter o desvelamento da inautenticidade dos discursos. Podemos dizer, portanto, que o próprio discurso filosófico provém desse modo cômico de propiciar o nascimento do pensamento e da reflexão que, uma vez originados, cessam de ser cômicos para entrar no domínio do sério. A ironia socrática pode ser definida, desse modo, como um jogo pedagógico que gera a paideia (a educação). Nas várias e eruditas considerações por que tem passado, a ironia socrática se distingue, justamente, pelo caráter complexo que a identifica, uma vez que o que se diz é, e ao mesmo tempo não é, o que se entende. Neste capítulo encontrei uma chave de leitura preciosa para “O Alienista.

Muitos leitores se perguntam como Machado desenvolveu essa verve. Para alguns, a ironia de Machado de Assis poderia ser explicada como uma consequência direta de seu ceticismo em relação à sociedade brasileira da época, enquanto para outros é uma característica inata de sua personalidade, um ingrediente de teor psicológico. Como você vê essas posições?

A ironia é a essência das grandes inteligências, como a de Machado: ironia e autoironia. Se era ou não inclinação de caráter, à parte algum depoimento pessoal dele, que não conheço, a questão não é relevante do ponto de vista da sua obra. O que importa, do ponto de vista crítico-literário e teórico, é desvelar os mecanismos que utilizou para criá-la e a que função ela servia. O discurso irônico serve, como visto acima, para desmascarar, criticar, revelar sub-repticiamente o que não pode ser dito diretamente. Tudo o que Machado fez ao denunciar o patriarcalismo, a entrada do capital no meio de estruturas arcaicas no país, ao perscrutar o drama psicossocial de agregados no sistema oligárquico, ao denunciar o vazio melancólico das classes abastadas num sistema injusto e alienado que resiste ainda hoje nos vícios da corrupção e da pretensão de impunidade. O riso machadiano é mais sério do que o tom gracioso da sua narrativa pode levar a pensar.

Um dos conceitos trabalhados no livro é o da língua literária de Machado de Assis. Gostaria que falasse sobre este conceito e a forma como essa língua literária se diferiria ou se aproximaria de outros autores de sua época.

No nosso entender a língua literária de Machado de Assis deve ser compreendida como parte do projeto global da sua obra, manifestando-se na enunciação como um sistema de linguagem. Este sistema, por sua vez, articula-se com o universo literário mais amplo do cânone brasileiro e ocidental, num determinado contexto histórico-cultural. O Oitocentos brasileiro marcou-se por um dinamismo similar ao de outras línguas modernas, no âmbito das mudanças sociais e tecnológicas que caracterizaram o período; basta lembrarmos, respectivamente, as revoluções liberais de 1848 e o telégrafo e o telefone. Entre os eventos históricos locais de influência sobre a sociolinguística do português brasileiro estão: a transmigração da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, no âmbito das invasões napoleônicas, com a imediata abertura dos portos às nações amigas; a independência de Portugal, em 1822; a liberação da escravidão, em 1888; e a proclamação da República, em 1889. Em relação a outro grande escritor seu contemporâneo, Aluízio de Azevedo, a língua literária dos dois autores diferem tanto quanto divergem os projetos estético-ideológicos de ambos. O processo de animalização ao qual submete os moradores d’O cortiço (1890) leva o escritor maranhense à descrição nua e crua que não era comum nos livros brasileiros da época. Será envolvente e sensual, como os meneios da Rita baiana, ou plena de nojo e desprezo, como quando João Romão, já instalado na nova classe social, olha com desdém o cortiço que o enriquecera. Ecos desta linhagem vamos encontrar em Jorge Amado, por exemplo. No Quincas Borba (1891), do mesmo período, mesmo se numa análise comparativa de ambos a partir de alguns temas que nortearam os debates – e as muitas polêmicas – entre os melhores intelectuais brasileiros do período, percebe-se que são inelutavelmente oriundos do mesmo fermento cultural, embora com escolhas diferentes no que se refere à língua. Comparei diversos trechos dos romances em questão. Mesmo o tema sexual, presente na obra machadiana na contradança de D. Fernanda e Maria Benedita, no Quincas Borba, merece outro tratamento linguístico: mais sugestivo mas não menos forte, sendo capcioso, porque colocado em ação por uma senhora insuspeitável e com objetivos “maternos”. Enquanto que a relação entre a cocote Léonie e pombinha era mais previsível e “explicável”, segundo a ideologia social do momento.

Segundo o capítulo III, “Machado de Assis e a Itália”, o bruxo do Cosme Velho apenas começou a ser conhecido na Itália, fora do círculo dos estudiosos luso-brasileiros, muito recentemente e ainda de forma limitada.  Conte-nos sobre a relação de Machado de Assis com a Itália e sua literatura. Dos países europeus, é com a Itália que a obra de Machado de Assis dialoga mais fluentemente?

Machado dialogou com os principais nomes da cultura italiana e estudou a história romana de modo aprofundado. Nas traduções que foram feitas na Itália é interessante notar nos prefácios como os tradutores identificaram os autores europeus presentes na obra machadiana. Lá estão franceses, ingleses e alemães, mas também autores gregos e latinos bem conhecidos na Itália.

Machado acompanhou e viveu a presença italiana no Rio de Janeiro: no teatro, na ópera, nos jornais, nos movimentos de independência e de instauração da República na Itália. Cavour é citado mais de uma vez na obra machadiana como símbolo de obstinação, como no capítulo IV das Memórias póstumas,  “Uma ideia fixa”, em que o nosso autor busca exemplos humorísticos para sustentar a sua tese: “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a ideia fixa da unidade italiana que o matou”. Na ocasião do acordo levado adiante por Cavour com a França, contra o domínio austríaco no norte da Itália, Machado escreve no Correio Mercantil, em 10 de fevereiro de 1859, o poema À Itália. Em 25 de novembro de 1861, numa crônica do Diário do Rio de Janeiro, sob o pseudônimo de Gil, o escritor carioca elogia o governo brasileiro por ter reconhecido sem delongas a unificação da Itália e demonstra conhecimento de causa, na sua exposição. Não resta dúvida que Machado estava inserido ainda no contexto em que as revistas, pelo seu caráter mais popular de divulgação, inclusive em função das ilustrações que pouco a pouco passavam a fazer parte integrante da edição, contribuíam para a veiculação da imagem de um novo país, graças às conquistas técnicas, também. Os italianos colaboraram com a tradição da caricatura, da crítica política e do humor. Nesse espaço, a literatura foi divulgada por meio das resenhas e da publicação, em forma de folhetim, de obras que seriam, a seguir, editadas em livro.

Por outro lado, um estudioso do porte de Ruggero Jacobbi deixou, em 1961 (Teatro in Brasile), importante depoimento sobre machado de Assis:

“Talvez os italianos não saibam ainda que o escritor verdadeiramente universal produzido pelo Brasil em toda a sua história é Joaquim Maria Machado de Assis, o qual não é apenas um dos cinco ou seis pontos mais altos atingidos ao longo da literatura de língua portuguesa, mas é o único narrador sul-americano cujas obras maiores poderiam estar tranquilamente na mesma prateleira em que se conservam Stendhal, e Nievo, Gogol e Defoe, Merimée e Manzoni. Tais obras – Dom Casmurro, Brás Cubas (sic), a série estupenda de contos – contradistinguem a onda de exuberança tropical da literatura à qual pertencem, justamente com a sua concisão, a sua lucidez, a sua ironia, o seu pessimismo racionalista; e superam num lance as três condições: romântica, parnasiana, naturalista da poesia e da prosa que se sucederam no Brasil durante a longa vida do escritor”.

É possível perceber o impacto da literatura machadiana na cultura italiana? Existem marcas de sua influência nas obras de escritores italianos?

Ainda não. Ele é conhecido por muito poucos fora do circuito universitário luso-brasileiro. Mas tem sido publicado por editoras que fogem ao circuito comercial e privilegiam autores de valor.

Como professora na Itália, você vê o interesse de alunos pelas obras de Machado de Assis?Sim, depois que estudado e conhecido. Machado não é um autor fácil. Pode ser identificado com Manzoni, grande autor do oitocentos italiano, embora dele se distinga muito na segunda fase. Orientei muitas teses na Itália sobre Machado e de uma delas saiu uma nova tradução para o Quincas Borba, em 2009 (Viterbo, Sette Città).

Ex-professora da UFRJ e da UERJ, Sonia Netto Salomão ensina atualmente na Sapienza, Universidade de Roma, e já publicou diversos ensaios e estudos sobre a história da língua portuguesa, entre os quais, os volumes Da palavra ao texto, estudos de linguística, filologia, literatura (Viterbo, Sette Città, 2007, com reedições) e A língua portuguesa nos seus percursos multiculturais (Roma, Nuova Cultura, 2012). Além disso, coordenou a tradução de Quincas Borba, de Machado de Assis (Viterbo, Sette Città, 2009), e integra o conselho editorial da Coleção Brasil-Itália, da Editora da UERJ.

 

 

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