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Entrevista com Juraci Brito, um dos organizadores de Introdução à psicologia na socioeducação no Brasil

O Blog da EdUERJ conversou o psicólogo Juraci Brito. Ele é um dos organizadores do livro Introdução à Psicologia na socioeducação no Brasil, que será lançado na quinta-feira, 9 de maio, às 14h, na Livraria da EDUERJ (no campus Maracanã, hall dos elevadores). Nessa entrevista, ele aborda o papel da psicologia nos ambientes socioeducativos, e questões como a relação da psicologia com o sistema de justiça, a avaliação psicológica e o contexto punitivista da sociedade contemporânea. Confira abaixo:

Blog – Como surgiu a ideia de fazer um livro a partir da psicologia na socioeducação?

JB: Desde a minha entrada no sistema socioeducativo em 2007, venho com essas inquietações: o que faz a psicologia na socioeducação? Que práticas psicológicas são possíveis em um lugar marcado por diversas formas violências? Mas, este livro se tornou possível a partir de meu encontro com a psicóloga Elis Regina.

Blog – Qual seria a prioridade do psicólogo em um ambiente socioeducativo?

JB: É importante salientar que na socioeducação a psicologia não trabalha com a clínica tradicional. São diferentes fazeres, passando pelo acolhimento do/a adolescente e seus familiares, estabelecendo uma escuta cuidadosa no sentido de compreender as possíveis vulnerabilidades que os atravessam.

Blog – Como se dá a relação do psicólogo o sistema de justiça? Você acha que existe uma parceria?

JB: A relação da psicologia com o sistema de justiça sempre foi no sentido de afirmar para quem a psicologia trabalha. Infelizmente, a justiça entende que só cabe à Psicologia avaliar condutas de comportamento, e fazer previsões futuras baseadas no grau de periculosidade dos sujeitos que se encontram em privação de liberdade. Não sei se a palavra é “parceria”, mas deveria haver uma relação de respeito profissional o que nem sempre acontece. Em diferentes momentos da história foram exigidos da Psicologia que se posicionasse sobre questões que não cabia a ela. Por exemplo, se o adolescente vai voltar a cometer o ato infracional! Se ele está pronto para a progressão de medida! Essas questões não cabem à Psicologia.

Blog – Como ocorre a avaliação psicológica nos ambientes socioeducativos? Existem pontos de intersecção com a realizada nos ambientes prisionais?

JB: Essa pergunta é bem interessante. Inclusive, eu e a psicóloga Márcia Badaró em nosso artigo que está no livro, refletimos sobre essas questões: avaliação psicológica no sistema socioeducativo e no sistema prisional. As semelhanças não são meras coincidências. Isso porque o nosso judiciário é conservador e representa a sociedade brasileira que é racista. Os dois sistemas (socioeducativo e prisional) apesar de grande diferença na legislação e na concepção doutrinária, ambos “prendem pessoas”. A privação de liberdade, por si só, é produtora de sofrimento psíquico e comporta algum de grau de violência na sua atuação. Cabe à psicologia compreender as relações de poder que operam nessas instituições, buscando estratégias para que os sujeitos exerçam seus direitos. Afinal, quem está preso perdeu somente a liberdade, não os outros direitos.

A avaliação psicológica é uma prática inerente à psicologia, mas necessita ser questionada pela própria psicologia. Em que contexto a avaliação acontece? A quem ela se destina? Quais objetivos e propósitos da avaliação psicológica em pessoas privadas da liberdade?

Existe uma expectativa na sociedade e em muitos juízes de que existe um diagnóstico associado à produção do crime. A psicologia não trabalha e não responde a essa expectativa. Caso haja necessidade de avaliação psicológica ela terá outras finalidades.

Blog – Hoje existe um discurso punitivista muito forte. Você acredita que isso impacta a maneira como o psicólogo que atua na área é visto pela sociedade?

JD: Com certeza! O punitivismo está impregnado na nossa sociedade e a psicologia não está fora da história. Mas, é necessário que o/a profissional da psicologia compreenda o contexto social, histórico, político, econômico em que as práticas de punir foram e são engendradas no ocidente como forma de produção de subjetividade. Inicialmente pelo suplício como nos informa Michel Foucault e atualmente por um sistema de prisão que leva o sujeito ao extremo do sofrimento. Ou seja, não basta ser condenado e perder a liberdade, é necessário que o sujeito sofra. Essa lógica da prisão se estende ao sistema socioeducativo, infelizmente!

Blog – Como as outras políticas públicas que atuam nessa área podem colaborar com a psicologia no processo de ressocialização?

JB: É importante afirmar que o fazer psicológico enquadra-se no campo da saúde que é um dos componentes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). O sistema socioeducativo é uma política pública que depende de outras políticas públicas como: Educação, Justiça, Assistência Social, Saúde entre outras. Essa compreensão é importante para não localizarmos o ato infracional do/a adolescente somente nele como uma ‘essência’ produzida por determinados grupos sociais: negros, periféricos e favelados. É necessário ultrapassarmos esse modelo herdado de antigas políticas realizadas no Brasil no século passado, bastante criticadas em nosso livro em outras produções academias. O Estatuto da Criança e do adolescente – ECA coloca o adolescente como sujeito de direito e não como um objeto de intervenção de determinada política pública. Nesse sentido, o que se busca, em linhas gerais, é que o/a adolescente ressignifique a sua trajetória infracional e estabeleça práticas de cuidado de si com apoio do SGD.

Blog – Por fim, gostaria que você falasse dos temas contemplados pelo livro, e a quem você recomendaria a leitura

JB: O livro compreende temas como: violência institucional e de Estado, sistema de justiça, sexualidade, gênero, política de Saúde Mental, avaliação psicológica e diferentes experiências e pesquisas da psicologia na socioeducação.  Como falei no início dessa conversa, o livro foi pensado a partir de nossas inquietações do fazer da psicologia nesta política pública que é vista pela sociedade como um lugar de esquecimento dos sujeitos que não se enquadraram as normas sociais. Nossa intenção é dar visibilidade às práticas, às pesquisas e às teorias da psicologia que olha para esse campo. Com isso diminuindo os estigmas, os preconceitos com os/as adolescentes que estão inseridos/as na socioeducação. O livro é direcionado à profissionais, pesquisadores e estudantes de psicologia, mas entendo que ele é de interesse da sociedade de todos que atuam nas políticas públicas do Sistema de Garantida de Direitos.