Em um país marcado por desigualdades onde reverbera a exclusão social, muitas vezes as políticas públicas precisam se fazer presentes para atenuar as mazelas ou evitar que estas se perpetuem. No entanto, tais políticas necessitam de um olhar atento da sociedade civil para que consigam cumprir efetivamente o seu objetivo e não se desvirtuem. A universidade pode colaborar para o aperfeiçoamento dessas estratégias ou articular uma visão crítica de todo o processo. Neste contexto de reflexão se insere O Programa Minha Casa Minha Vida: habitação e produção do espaço urbano em diferentes escalas e perspectivas“, publicação da EdUERJ.
O livro, organizado pelos professores Doralice Sátyro Maia e Glaucio José Marafon, contém onze capítulos, muitos deles analisando as repercussões do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Criado pelo Governo Federal em 2009, para estimular o acesso à habitação, o projeto inseriu a moradia como parte da agenda governamental, respondendo também a apelos de relevantes segmentos da sociedade, como os movimentos sociais. No período de 2009 a 2016, segundo dados fornecidos pelo então Ministério das Cidades, foram contratadas mais de quatro milhões de moradias
Os autores são professores de graduação e pós-graduação em geografia da UERJ, UNESP E UFPB. Como objeto da pesquisa, foram escolhidas as cidades de Campina Grande e Patos, na Paraíba; Caruaru, em Pernambuco; Campos, no norte fluminense; Marília e Presidente Prudente, no Estado de São Paulo. Os capítulos investigam os impactos do programa principalmente no que se refere à produção/ expansão/consumo da cidade, à dinâmica econômica e regional e às novas relações entre a cidade e o campo.
Moradia foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e destacada até mesmo em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Mas oferecer um teto a quem precisa não é simples como aparenta. Existe uma lógica de distribuição espacial das atividades econômicas na cidade, que caminha paralelamente à influência do mercado imobiliário e à hierarquia social que determinadas áreas, mais valorizadas, impõem sobre outras. Determinadas peças do tabuleiro afetam a execução do programa de habitação, impedindo que mais objetivos sejam alcançados. O cenário que resulta desse conflito de interesses está pintado como cartão postal das cidades e merece, sem dúvida, um olhar de especialistas da geografia.
Dentro da dinâmica capitalista, a localização assume um significado especial porque se traduz em um dos elementos que mais afetam os custos de produção e os lucros. A concentração de empregos e serviços nos municípios centrais, afastados dos conjuntos habitacionais oferecidos, ressalta a necessidade de se olhar a questão do transporte público no cenário urbano. Angela Moulin Simões Penalva Santos e Pedro Henrique Ramos Prado Vasques, ao falar da execução do PMCMV no Rio de Janeiro, questionam: “até que ponto estamos trocando um déficit habitacional por uma inadequação socioespacial que apenas vem alimentar as assimetrias de nossas cidades?”
O livro da EdUERJ traz visões sobre regiões distintas, refletindo experiências singulares.Trata-se de uma leitura que pode ajudar a inspirar futuras políticas públicas que tentem alinhar a moradia em um contexto social mais amplo. De modo geral, percebe-se que a publicação verifica as imperfeições do PMCMV sem querer lhe negar os relevos positivos que viabilizaram a habitação para milhões de brasileiros.
O livro está disponível para download gratuito pelo site da EdUERJ: