Entrevista: Eurídice Figueiredo.
A professora do Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura da UFF, Eurídice Figueiredo, está lançando, pela EdUERJ, o livro Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção e autoficção.
Em entrevista ao nosso blog, ela contou mais sobre esse lançamento.
Professora, como foi o trabalho de pesquisa que culminou nessa publicação?
Digo que a ideia do livro nasceu de minha leitura de romances de algumas escritoras da França e do Quebec porque me dei conta que havia uma grande diferença em relação ao que estava sendo produzido no Brasil; elas exploram a sexualidade feminina de maneira bastante violenta e negativa, mostrando o lado dos problemas e nem tanto o do prazer. As diferenças que se notam devem-se a diferenças mais gerais nas tradições literárias. Sobre a escrita da sexualidade: no Brasil tudo se passa de maneira mais velada, mais discreta e acho que isso não vai mudar tão rápido porque as mulheres aqui não querem se expor tanto. Nos livros em língua francesa que analisei – todos eles de qualidade literária – há uma escritora que rememora sua vida de garota de programa (eufemismo para prostituta), uma outra que conta que teve relação incestuosa com seu pai, uma que narra as vicissitudes de sua vida de drogada. Não temos isso no Brasil.
Por que você escolheu partir da literatura francesa para traçar um paralelo com a brasileira, em termos de tematização da sexualidade? Você acredita que na França exista alguma especificidade neste aspecto?
A especificidade diz respeito à produção de textos autobiográficos (diários, autobiografias, memórias): no Brasil a prática da escrita de si é muito mais rara do que na França. Basta lembrar que o gênero confessional começou na França com Jean-Jacques Rousseau no século XVIII; os diários de escritores e artistas são publicados desde o século XIX; há também uma larga produção de relatos de infância, autobiografias e memórias. O mesmo não ocorre no Brasil.
No livro, você fala muito de como as autoras francesas se expressam por meio da autoficção. Fale um pouco deste gênero, de suas diferenças para a autobiografia, e dos representantes brasileiros…
A autoficção é um romance que se inspira nos fatos efetivamente vividos pelo autor. A palavra foi cunhada pelo professor e escritor francês Serge Doubrovsky no seu livro Fils (1977). A autoficção seria um romance autobiográfico pós-moderno, com formatos inovadores: são narrativas descentralizadas, fragmentadas, com sujeitos instáveis que dizem “eu” sem que se saiba exatamente a qual instância enunciativa ele corresponde. Por outro lado, Doubrovsky lembra que, quando se escreve autobiografia, tenta-se contar toda sua história, desde as origens. A autobiografia estaria reservada aos grandes homens que, ao cabo de uma existência cheia de realizações – de caráter literário, cultural, político, militar – se debruçam sobre seu passado para contar sua vida.
Em relação à autoficção no Brasil, no sentido mais amplo que o termo está sendo usado agora, ou seja, sem as tecnicalidades expostas por alguns teóricos franceses como Doubrovsky, eu citaria, como exemplo, grande parte da obra de Silviano Santiago, de João Gilberto Noll, o romance “A chave de casa” de Tatiana S. Levy e “O filho eterno” de Cristóvão Tezza. O uso da palavra no Brasil é muito recente, mas já se faz autoficção há bastante tempo.
Por outro lado, ao optar por redigir uma obra de ficção, o autor pode expressar seu pensamento sem ser diretamente relacionado às emoções dos personagens. Você acredita que hoje a ficção seja um gênero mais confortável paras jovens escritoras ou a autora brasileira hoje não está buscando uma zona de conforto?
Acho (como André Gide) que na ficção o escritor pode se sentir mais à vontade para falar de si mesmo. No entanto hoje em dia o romance está vampirizando as formas autobiográficas porque o sujeito está muito em evidência, o escritor está muito exposto às diferentes mídias e ele acaba usando pequenos elementos autobiográficos (os biografemas de Roland Barthes) nos romances. Antes de ser puramente um fenômeno literário, trata-se de um fenômeno social e cultural. O romance do final do século XX e do início do XXI é produto de seu tempo, o tempo da extimidade [nota do blog: este conceito é citado no livro de Eurídice como contraponto da palavra intimidade].
Hoje temos alguns best-sellers como Cinquenta tons de cinza (e todos seus avatares) escritos por mulheres que criaram personagens femininas submissas, que gostam de ser dominadas. Apesar da sexualidade sado-masô, são heroínas românticas como tantas outras. Contudo, existem escritoras muito mais feministas, como as que eu escolhi analisar para o meu livro. Elas tendem a salientar os problemas enfrentados pelas mulheres, inclusive os que passam pela sexualidade.
Que autora brasileira você destaca atualmente como uma representante de uma literatura moderna autenticamente feminina?
Escritoras brasileiras interessantes: Tatiana Salem Levy, Carola Saavedra, Adriana Lisboa, Ana Maria Gonçalves. São romancistas que já têm uma produção significativa, com personagens femininas fortes e provocantes.
Para terminar, a quem você indica a leitura do seu Mulheres ao espelho?
Meu livro interessa sobretudo aos estudiosos de literatura, mas também a pessoas de outras áreas das Ciências Humanas que querem saber mais sobre as chamadas “escritas de si” e sobre as representações das mulheres.
Professora Eurídice Figueiredo, agradeço a sua entrevista para o blog da EdUERJ.