Na terça-feira, 14 de maio, às 17h, a Livraria da EdUERJ recebe o lançamento do livro O homem e o cavalo – devoração e montagem na estética teatral de Oswald de Andrade (Editora da UERJ, 2024). Professora do Instituto de Artes da UERJ, diretora teatral e atriz, a autora Nanci de Freitas conversou com o Blog da EdUERJ sobre seu livro e sua pesquisa sobre Oswald de Andrade.
Blog: Como surgiu o interesse em escrever sobre Oswald de Andrade?
Nanci: Faço parte de uma geração que recebeu influências do movimento tropicalista: a música de Caetano Veloso, Gilberto Gil e companhia; as experiências cênicas do Teatro Oficina, que encenou O rei da vela, de Oswald; o cinema novo de Glauber Rocha e as obras do artista plástico Helio Oiticica, dentre outras. O tropicalismo teve uma forte conexão com o pensamento antropofágico de Oswald de Andrade. Quando fui fazer o mestrado em teatro, na UNI-RIO, decidi me aprofundar no teatro oswaldiano.
Blog: Por que você optou por pesquisar, especificamente, a peça O homem e o cavalo?
Nanci: A obra dramatúrgica de Oswald de Andrade é bem pequena. Geralmente, os estudos se referem mais à peça O rei da vela, por conta da enorme repercussão provocada pela encenação de José Celso Martinez Correa, no Teatro Oficina, em 1967, tornando-se um marco do teatro brasileiro moderno. A peça O homem e o cavalo, escrita por Oswald de Andrade em 1933 e publicada em 1934, é pouco estudada e considero-a a mais complexa, fugindo dos cânones dramáticos tradicionais, dialogando com as vanguardas russas, mas também com a cultura popular brasileira.
Blog: Você poderia, resumidamente, explicar a intenção do dramaturgo com a peça ?
Nanci: Para o escritor Oswald de Andrade, a realidade dos anos 1930, período marcado pela austeridade econômica imposta pela crise de 1929, exigia embates contra o fascismo e novas experiências estéticas, introduzindo questões do homem do povo e do operariado. Ele escolheria o teatro como veículo principal para manifestar suas ideias políticas.
A peça de teatro O homem e o cavalo se estrutura numa narrativa alegórica, em nove quadros. As ações começam no céu cristão, onde cai uma aeronave dirigida pelo Prof. Icar. Os habitantes do céu, chefiados por São Pedro, embarcam na aeronave e vão visitar a terra. O grupo conservador se depara com a guerra fascista e com a barca da revolução, sendo vencido pelos revolucionários. Um novo mundo é construído a partir da abolição da propriedade, da sociedade de classes e dos meios de produção capitalistas. Nesta viagem alegórica opera-se uma crítica a certos paradigmas da história ocidental, instituições e mitos próprios à sociedade patriarcal.
Apesar do caráter iconoclasta e satírico da linguagem, pode-se apreender uma perspectiva próxima do materialismo dialético, ao estruturar a peça numa leitura da história do desenvolvimento humano e do domínio dos meios de produção. A travessia é sintetizada na imagem do cavalo, instrumento de trabalho e de guerra, que salta para a era da grande indústria. O cavalo motor do projeto socialista configura-se num enunciado de Lenin: “Passar do cavalo camponês ao cavalo da indústria construtora de máquinas, eis o plano central do poder Soviético” (Andrade, 1990, p. 75).
Blog: Quais foram os desafios diante da proposta de desenvolver um livro sobre essa obra?
Nanci: O impulso antropofágico do autor e a construção paródica da peça fazem referências a inúmeras obras da literatura, da arte e do teatro ocidental, levando-nos a entrar em contato com uma rede de narrativas, imagens informações, colagens e citações, exigindo uma disposição para a pesquisa e tempo para reflexão.
Blog: Em seu livro, você diz que a peça consegue promover um diálogo entre o teatro de vanguarda e o teatro de revista. Qual foi a intenção do autor?
Nanci: Como autor modernista e ligado às vanguardas europeias, Oswald mantinha sempre um espírito de criação experimental, que imprimia certos aspectos elitistas à sua linguagem formal. Nessa peça, ele tinha o desejo de atingir um público amplo, utilizando-se de certa estrutura do teatro de revista, bastante popular no período.
Blog: A peça tem um forte viés antiautoritário, com críticas à religião, inclusive. Você considera que o texto manteve a atualidade?
Nanci: Sim, acredito que as questões apresentadas na obra são atuais, pois o embate contra o fascismo, o ataque ao capitalismo devastador e seu regime de exclusão, a critica à sociedade patriarcal e à família conservadora são temas atuais diante das ameaças que nos rondam. Contudo, a utopia da revolução socialista, como ideal a ser atingido, em moldes da experiência soviética, é considerada datada, por alguns autores. Acredito que o pensamento progressista e o sonho de uma sociedade menos desigual ainda permanecem.
Blog: Há quem considere algumas das peças de Oswald de difícil execução. Por que isso ocorre?
Nanci: Oswald adota uma linguagem dramatúrgica sofisticada, com muitas referências e informações que são mais acessíveis a um público intelectualizado, às vezes, dificultando sua recepção a um público amplo.
Blog: Você acredita que hoje a obra de Oswald de Andrade tenha a visibilidade merecida? Em caso de resposta negativa, quais seriam os motivos disso?
Nanci: Em 2022, foi comemorado o centenário da Semana de arte moderna, realizada em São Paulo, tendo ocorrido muitos debates, polêmicas e críticas à hegemonia paulistana, no processo de modernização artística no Brasil. Muitos estudos apontaram para índices de outras formas modernistas, no país. Oswald faz parte desta história e está no centro dessas questões. Quanto à sua obra literária, continua sendo lida, no âmbito dos estudos sobre modernismo, nas universidades e em cursos de pós-graduação em letras e artes.
Blog: Por fim, a quem você indicaria a leitura de O homem e o cavalo – devoração e montagem na estética teatral de Oswald de Andrade?
Nanci: A leitura desse livro pode ser indicada para o público geral, interessado em conhecer a arte e cultura brasileiras. Em especial, o livro pode interessar aos estudantes e pesquisadores da literatura brasileira e do teatro brasileiro, bem como das relações estabelecidas com a arte de vanguarda europeia.