Por que devemos ler “O Fetiche como estrutura, imagem e performance no Teatro de Nelson Rodrigues”, de Isadora Grevan? Uma pista: ele nos ajuda a entender a complexidade das criações do polêmico mestre. E o motivo pelo qual o autor merece gozar do prestígio que tem.
É impossível ficar indiferente às obras de Nelson Rodrigues. Seu repertório é abundante em personagens ou conflitos dramáticos cujos elementos remetem a uma tragédia urbana brasileira, com um olhar crítico sobre as estruturas familiares e as mazelas cotidianas.
Ainda hoje, passadas décadas de sua produções serem encenadas pela primeira vez, Nelson manteve a sua aura de tabu, estimulando questionamentos ou provocando incômodos. Na sociedade atual, para afugentar rótulos superficiais, é salutar uma criteriosa análise sobre o legado de um autor que tanto foi acusado de reacionário quanto de ultrajante e anarquista, entre outras definições, algumas totalmente díspares.
Com a intenção de uma compreensão mais profunda do teatro rodrigueano, Isadora Grevan investigou um dos recursos mais recorrentes dos enredos do autor: a utilização de ingredientes fetichistas. Dessa maneira, sob o signo do fetiche, eram estimuladas as tensões ficcionais, criadas a partir dos valores da sociedade de sua época. Não à toa, suas histórias sempre foram recebidas com certo temor por diversos segmentos da sociedade e muitos de seus enredos não escaparam da voracidade da tesoura. “Álbum de família”, por exemplo, durante anos foi impedido de ser encenado.
O fetiche, tão relevante em seus enredos, é o ponto crucial na publicação da EdUERJ. A perspectiva de fetiche em Rodrigues, apresentada no livro, dialoga diretamente com a análise estrutural de Roberto DaMatta, além de ser enriquecida por interpretações psicanalíticas e marxistas e por outras fundamentações teóricas.
São observadas a estrutura, a imagem e a performance do fetiche e de que maneira estas se apresentam em todas as peças do dramaturgo. Com esse intuito, são examinados oito roteiros do autor, entre eles, Os sete gatinhos, Toda nudez será castigada, O beijo no asfalto e Boca de ouro.
Para Grevan, os mecanismos de Rodrigues intentam descontruir discursos de gênero e raciais sobre a imaginada identidade brasileira, e coloca o dramaturgo em um panteão de visionários/pioneiros que inclui nomes como Machado de Assis, Lima Barreto e Clarice Lispector.
Polêmico ou não, Nelson Rodrigues merece ter sua obra estudada, ainda mais se nos atentarmos para o fato de que é considerado um dos pioneiros do teatro moderno brasileiro (com Vestido de Noiva , de 1943) e que produziu dezenas de peças, inspirando adaptações televisivas e cerca de 30 versões cinematográficas, configurando um arcabouço dramático definitivo no imaginário da cultura popular.